Meu amigo casou, e não fui convidado
Casamento Paulo Scott | Foto roubada do Facebook de Xico Sá
Olá Noivinhos e Leitores,
Estava ontem vagando pelo facebook até que me deparei com esse título! Fiquei curiosa e abri para ler, simplesmente amei e quis compartilhar com vocês!! #quemnunca?
“Mano Paulo Scott, você casou!, e eu vi somente agora no Facebook do Xico Sá, que vida otária é esta?, vá se foder, como que a gente se perdeu?, não acredito que saí de tua vida, não acredito que não fui convidado para a sua festa, me deu uma raiva da porra por não ser íntimo o suficiente, sei que dirá que foi uma cerimônia para poucos e familiares, mas eu queria ser um dos poucos e um dos familiares, estou com raiva, muita raiva, e raiva de mim que não cultivei a nossa amizade.
Só posso lhe ofender para demonstrar toda a sua grandeza, homem apenas se gosta ofendendo, poeta de merda. Como que nos separamos?
Como que não chiamos com a falta? Como que aceitamos o desligamento passivamente? Que mundo estúpido, imbecil, fútil, onde dois caras que começaram juntos a escrever acabam se afastando? Éramos comparsas, mafiosos, confidentes, acompanhei seus sofrimentos e suportou as minhas dores, estreamos os microfones dos saraus na mesma época, não aceitávamos que alguém falasse mal um do outro, tirávamos sarro das pretensões e da fama, ríamos da precariedade e de quem se levasse a sério. Como que nos desimportamos?
Tínhamos em comum a elegância do escuro: você foi gago e tímido, eu fui excluído e de língua presa. Havia a mesma vingança em nosso sangue, o mesmo monstro da insatisfação.
Quando nos tornamos secundários? Quando desistimos de mandar qualquer e-mail ou falar qualquer coisa para o tempo se acumular em indiferença? Quando abandonamos a banalidade pela conversa séria que nunca aconteceu? Quando, em que momento?
Íamos na Cidade Baixa trocando confidências de bar em bar, lembra? Aliás, nunca encontrei um rival alcóolico como você, que bebesse tanto uísque mantendo a sobriedade da fala.
Nossas histórias se completavam. Abríamos as fechaduras dos livros com clipes, guris inventando futebol com restos da rua, guris inventando facas com copos quebrados, guris inventando os seus amores de palavras quebradas.
Fizemos loucuras e, principalmente, recuperamos a normalidade lado a lado.
Você me ensinou a aceitar os arranhões no carro. “Carro é para usar, não para guardar”. Assumi os riscos na lataria e cansei de me consertar, lembra?
Você tinha a mania de esquecer o celular nos restaurantes e nas aulas. Sempre extraviava. Não havia como descobrir se chegou bem em casa na manhã seguinte, algum estranho atendia o seu aparelho, lembra?
Por que não lembra de me lembrar?
Onde colocamos as nossas afinidades? O que houve? Onde foi parar a nossa amizade honesta?
Será que somos amigos de uma fase, e não somos cúmplices de toda a vida? Será que me enganei? O que era para ter sido já foi, e agora seremos conhecidos, e não mais que isso?
Prossigo lendo seus romances e poemas – a minha derradeira maneira de insistir com a nossa longevidade. Prossigo por aqui na mesa dos versos e nos rótulos de mosquitos das lâmpadas.
A verdade sempre foi um surto para nós. Um susto para nós. Dividíamos o medo de viver.
Tudo bem que amargamos uma distância física, que passou a morar no Rio de Janeiro e eu permaneci em Porto Alegre, explica parte da lacuna, mas deixamos de nos corresponder em pensamentos, deixamos a saudade e as samambaias morrerem com as viagens.
Você casa e não sei de nada, não me conformo, não aceito, eu precisava ter ido a Três Passos (RS) jogar arroz em sua cabeça, e lhe abraçar demoradamente festejando a escolha de sua esposa Morgana.
Eu sentirei falta desse abraço, pois você fica sério, muito sério, quando emocionado. Sua seriedade é engraçada e cresce com a minha implicância. Eu estaria cochichando declarações lânguidas de lealdade e você mexeria a cabeça concordando, sem demonstrar nenhuma reação externa. É assim você: um grandalhão disfarçando as hemorragias internas, um brutamontes de terno fingindo que não é um skatista.
Você não me engana, você é um homem de família, você até hoje pede a bênção para os velhos pais quando vai visitá-los.
Eu continuo lhe amando, desajeitadamente, mesmo sendo penetra em sua felicidade.”
Fonte: http://blogs.oglobo.globo.com/fabricio-carpinejar/post/meu-amigo-casou-e-nao-fui-convidado.html
Beijos,
July